Como já vos disse considero-me uma pessoa privilegiada. Mesmo sem grandes possibilidades a nível financeiro os meus pais conseguiram proporcionar-me boas memórias de infância. Memórias que, tal como o filme Divertidamente nos demonstra, são a base da construção da nossa personalidade.
Por isso, já pensaram o quanto é importante criarem boas memórias de infância na vida dos vossos filhos?
Temos sempre tendência a pensar que a melhor memória pode ser o melhor presente, a melhor festa de aniversário ou a melhor viagem, mas acredito que há muito mais do que isso.
Para mim, as memórias mais marcantes que tenho da minha infância incluem as grandes férias de verão. E não, não fazia nenhuma grande viagem nem ia para o Algarve. Ficávamos em casa, mas íamos o mês inteiro de agosto para a praia.
Todos os anos, a viajar na mesma camioneta, para passarmos o dia na mesma barraca da praia, com os mesmos amigos, a brincar, a ver as mulheres a fazer tricot e os homens a jogar à sueca. Lembro-me de irmos tão cedo que chegávamos e a praia ainda estava deserta. Claro que também íamos carregados, mas não faltava nada. Mesa, cadeiras, tapete, cortina e comida à farta. Era a nossa pequena casa de férias.
Ainda hoje, passados quase 40 anos, nem imaginam o prazer que me dá, saber que em qualquer dia de agosto, sem aviso prévio, posso aparecer na mesma barraca com os meus 4 filhos, e há sempre lá uma cara familiar e alegre para me receber. Todos com vidas tão distintas, mas todos com as mesmas belas memórias de infância que ali construímos.
Para mim tudo isto me transmite um sentimento de segurança e de normalidade que não consigo descrever.
Se formos bastante redutores e pensarmos que depois dos 18 anos eles podem querer ser mais independentes, restam-nos, apenas, 18 anos de férias com eles e, normalmente, apenas 2 semanas por ano no verão. Acreditem, passam a correr!
E é por isso, que todos os anos faço questão de passarmos um período de férias sozinhos (para eles o Algarve é um dado adquirido), e um período com cada um dos avós.
O campismo com os meus sogros é sempre uma forma de nos afastarmos da tecnologia e de nos lembramos da importância das coisas mais banais como irmos lavar a louça todos juntos ou fazermos uma caminhada sem rumo ao fim do dia. Claro que não pode faltar a piscina, mas também há tempo para ler, jogar à bola, jogar cartas, mikado ou dominó. Todos os anos se conhecem novas pessoas, mas também se reencontram velhos amigos.
E depois temos a casa de férias onde, todos os anos, nos juntamos com os outros avós, tios e primos. Claro está que estão reunidos todos os ingredientes para uma grande confusão, mas simultaneamente para momentos únicos, tanto para eles como para nós.
Há sempre muitos berros e muitas birras, mas todos os anos os vemos crescer e aprender coisas novas juntos. Ora já sabem nadar, ora já aprenderam a jogar raquetes e agora até já sabem saltar à corda e ao elástico.
É óbvio que não vamos conseguir que todas as memórias de infância dos nossos filhos sejam boas ou alegres, mas isso também é importante para que construam todos os traços da sua personalidade.
O mais importante é percebermos que todas as memórias são pautadas de emoções e que nenhuma delas é má. Tanto a alegria, como a tristeza, a raiva, o nojo, o medo, a inveja, a vergonha, o tédio e a ansiedade são todas emoções necessárias que têm que coexistir para crescermos enquanto pessoas.
O nosso cérebro tem efetivamente um arquivo de memórias e, dado que a nossa memória é limitada, todos nós temos, também, uma “lixeira” onde colocamos as memórias que vamos apagando, seja porque não são consideradas memórias base ou são demasiado dolorosas para as querermos recordar.
A verdade é que ninguém sabe quais as memórias que vai guardar. Quando falo com os meus irmãos sobre a nossa infância, cada um recorda coisas diferentes. Às vezes contam-me coisas que para mim são apenas uma vaga lembrança que mais parecem ter saído de um sonho sem que me recorde, propriamente, de ser algo que tenha vivenciado.
Apesar de aqui falar muito das férias de verão, sobretudo por serem um período marcante do ano, todos os dias construímos memórias. Por isso, apesar da correria do dia a dia, criem memórias, criem emoções junto dos vossos filhos, porque todos os momentos podem ser especiais e nunca sabemos quando estamos a criar uma memória base ou uma que, com o tempo, vai ser apagada. E, apesar de todas as memórias serem importantes, as memórias de infância são as que vamos recordar com mais saudade e as que vão ter mais influência na nossa vida futura.